ATENDIMENTO DE UMA CRIANÇA COM AMBLIOPIA EM TERAPIA OCUPACIONAL: CONTRIBUIÇÃO DO MÉTODO MEIR SCHNEIDER DE AUTOCURA (Self-Healing®)
Tatiana Luísa Reis Gebrael
Terapeuta Ocupacional. Especialista em desenvolvimento infantil pela UFMG. Mestre em Educação Especialpela UFSCAR.Terapeuta do método Self-Healing de Meir Schneider.
Orientação Léa Beatriz Teixeira Soares
Resumo:
Este trabalho propõe-se a relatar uma intervenção clínica em Terapia Ocupacional com uma criança portadora de ambliopia, compartilhando conhecimentos e promovendo reflexão sobre o tema. Foi realizada uma intervenção clínica supervisionada junto a uma criança de 6 anos de idade, com hipótese diagnóstica de ambliopia no olho direito e erro de refração desigual entre os olhos. Atividades lúdicas e psicomotoras associadas ao método Meir Schneider de Autocura - self-healing, foram utilizadas objetivando a adesão e o estabelecimento do vinculo terapêutico da criança e família ao tratamento através de brincadeiras, a estimulação visual principalmente para o olho amblíope e a incorporação dos exercícios do método de autocura em sua rotina com autonomia e consciência visomotora. Concluiu-se que a intervenção de terapia ocupacional associada ao método de autocura foi adequada para esta criança, pois propiciou a relação terapêutica, a adesão e incorporação eficiente ao programa de tratamento em que constavam os exercícios sugeridos pelo método de autocura por meio da participação e conscientização não só da criança, como também de seus familiares, e a diminuição dos erros de refração e ambliopia na criança.
1. INTRODUÇAO
Ambliopia é uma diminuição da acuidade visual uni ou bilateral, sem uma causa objetiva. A baixa visão ocorre mesmo com o uso de óculos e estando as estruturas oculares normais. O olho amblíope, é também conhecido como "olho preguiçoso".
Acontece dentro dos seis primeiros anos de vida, e é causada por qualquer doença que pode afetar o desenvolvimento dos olhos. (GONÇALVES, 1975, p.307)2.
Em muitos casos é hereditário, mas existem três principais fatores que podem causá-la:
1. Estrabismo – desvio de um olho, especialmente quando esse desvio é para dentro.
2. Erro de refração (miopia, hipermetropia ou astigmatismo) acentuado num dos olhos. É a ambliopia por anisometropia (que significa diferença de refração entre os dois olhos). Nela há a negligência por parte do cérebro da visão menos capaz do olho amblíope. Isso pouco a pouco se torna um comportamento psíquico instintivo e permanente de defesa, ou seja, a eliminação da imagem pouco nítida. Com o tempo o olho ruim deixa de participar da visão binocular, reduzindo-se assim sua capacidade funcional.
3. Embaçamento nos tecidos oculares - Doenças como a Catarata podem levar à ambliopia. Como estrabismos de pequeno ângulo, bem como diferenças de grau podem passar despercebidos aos pais e ao médico não especialista, a prevenção da ambliopia definitiva está no exame oftalmológico de todas as crianças antes dos dois anos de idade. Uma visão ruim pode afetar a capacidade de aprender, o desempenho motor e a auto-estima.
O tratamento clássico da ambliopia é a oclusão do olho de melhor visão. O tempo de oclusão depende da intensidade e da idade do paciente. Deve-se forçar o cérebro a usar o olho fraco para estimulá-lo. Isso só é possível ao ocluir o olho preferido na maior parte do dia, por semanas ou até meses. Algumas vezes é necessário ocluir ambos os olhos alternadamente. (KANSKI, 2004, p. 525)3.
Durante muito tempo pensou-se que as crianças com mais de 6 anos eram demasiado “velhas” para beneficiarem das terapias contra a ambliopia. Um estudo realizado no Hospital Infantil de Pittsburgh, nos Estados Unidos, confirmou que os tratamentos podem melhorar a situação de crianças até aos 17 anos (ORÉFICE, 1992, p. 389)4. Estudos recentes empregando levodopa e oclusões mostraram que é possível melhorar significativamente a acuidade visual, independentemente da idade, em determinados pacientes com ambliopias antes consideradas intratáveis. (PROCIANOY, 2004, p. 719)6.
O método de autocura e a ambliopia.
Para Ney Chaves (2002 p. 16)1, o método de autocura é um processo de autotratamento que parte do princípio de que pode-se ativar os poderes inatos que nosso corpo e mente têm de curar-se, através de movimentos suaves, combinados com massagem, alongamento, respiração e visualização.
De acordo com Pinto e Soares (2003, p. 33)5, as duas abordagens terapêuticas, terapia ocupacional (TO) e método Meir Schneider de autocura, têm como interface a ênfase no trabalho conjunto, paciente-terapeuta; na relação integrada e dual corpo-mente, para que a pessoa em atendimento seja sujeito do seu processo de cura e adquira maior autonomia e qualidade de vida.
Para Chaves (2002,p.17)1 a aplicação do método Meir Schneider de autocura tem sido eficaz na eliminação de problemas visuais.
O método de autocura permite o aumento da acuidade visual por meio do relaxamento. Desse modo, enfatiza que os olhos são tão susceptíveis ao estresse como qualquer outra parte do corpo, uma vez que o olho é uma parte integral do cérebro. (SCHNEIDER, 2003, p.183)7 .O método trabalha com base na estimulação visual, contendo exercícios de coordenação e amplitude de movimento e alongamento ocular, estimulação com luzes e objetos coloridos, e materiais que possibilitam o estímulo tanto da visão binocular, quanto da visão periférica e central. Realiza o relaxamento do corpo como um todo e em especial dos músculos faciais, oculares e da região cervical.
Para o autor, a memória e a imaginação são os mais valiosos instrumentos da mente para aperfeiçoar a visão. Ou seja, usam-se no método, os exercícios de visualização para aproveitar a tendência da mente para associar uma visão clara ao que é conhecido e familiar. (SCHNEIDER, 2003.p.187)7
Schneider (2003, p.189)7 enfatiza que o esforço ocular e tensão na parte superior do corpo estão intimamente relacionados; desse modo, o uso forçado dos olhos pode dar origem a padrões de tensão no pescoço, ombros, braços e outras áreas. E inversamente, tensão muscular na região superior do corpo pode afetar os olhos, diminuindo a circulação para a cabeça, causando a sensação de exaustão nos olhos e na mente.
Várias são as causas que levam à deterioração da visão e muitos são os recursos que podem ser utilizados na preservação e restabelecimento da saúde dos olhos, tais como: alternar o olhar para perto e longe, melhorar a respiração e a circulação, desenvolver movimentos suaves e curiosidades no olhar, aumentar a luz para os olhos para verem melhor, propiciar o descanso e equilibrar o uso da visão central com a visão periférica. (CHAVES,2002,p.25)1
Schneider (2001,p.169)8 explica que trabalhar com o olho preguiçoso (da ambliopia) é similar a trabalhar com o estrabismo, pois nesses casos os problemas visuais podem ter origem no desequilíbrio dos músculos externos dos olhos. Em muitos casos esse desequilíbrio resulta do cérebro integrar mal a informação visual proveniente dos olhos. Desse modo, durante o tratamento torna-se necessário envolver o cérebro para ver conscientemente com os dois olhos.
O autor afirma que as pessoas tendem a não usar o olho amblíope em absoluto, e qualquer informação que ele de fato envia ao cérebro por ser inconscientemente suprimida. Salienta que como o olho preguiçoso apresenta pouca acuidade, torna-se necessário trabalhar esse fato bem como a fusão, ou seja, a visão binocular e sua perfeita mobilidade ocular.
O brincar associado ao método de autocura.
Considerou-se importante a implementação de brincadeiras e jogos lúdicos nas sessões, pois de acordo com TAKATORI, BOMTEMPO e BENETTON (2001,p. 93)9 o brincar é uma atividade essencial e necessária no processo de desenvolvimento e um direito de todas as crianças; é uma atividade presente ou esperada no cotidiano de qualquer criança. As autoras citadas definem o brincar como um tempo e um espaço onde pode-se observar elementos de quem brinca.
Através de atividades lúdicas a adesão e a eficiência do tratamento serão maiores.
2. OBJETIVOS
O presente estudo teve por objetivo compartilhar os conhecimentos realizados a partir de uma intervenção clínica em Terapia Ocupacional, com as brincadeiras como recurso mediador no tratamento e com a utilização dos exercícios propostos pelo método de autocura enquanto recursos terapêuticos.
3. METODOLOGIA
O estudo foi realizado a partir de uma intervenção clínica em Terapia Ocupacional junto a uma criança (Julia[1]) de 6 anos de idade. As intervenções ocorreram semanalmente com duração média de uma hora, totalizando 18 sessões no período de fevereiro a julho de 2006. A exibição de fotos e do próprio conteúdo do estudo foi autorizada pelos responsáveis por Julia através da assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido. As intervenções utilizaram como atividades terapêuticas: as atividades lúdicas e os exercícios propostos pelo método Meir Schneider de autocura.
4. AS INTERVENÇÕES
4.1 O sujeito
Julia, sexo feminino, tem 6 anos e freqüenta a 1ª série do ensino fundamental. Veio para atendimento em Terapia Ocupacional por procura espontânea, a partir do diagnóstico de ambliopia no olho direito e erros de refração desiguais entre os olhos. Julia apresentou 5 graus de miopia no olho direito e meio grau de hipermetropia no olho esquerdo, ambos os olhos apresentaram 1 grau e meio de astigmatismo. Julia usa óculos em todas as atividades cotidianas e não apresenta estrabismo fixo, e sim quando focaliza detalhes na visão de perto. A criança somente havia usado, por recomendação médica, tampão monocular por alguns meses.
4.2 O processo de intervenção.
As atividades foram planejadas considerando a faixa etária do sujeito e a hipótese diagnóstica, objetivando: a criação do vínculo terapêutico; a estimulação do uso principalmente do olho amblíope; estimulação da criatividade; adesão ao tratamento através de brincadeiras, a orientação familiar para a realização dos exercícios em casa e a incorporação dos exercícios do método de autocura em sua rotina com autonomia e consciência.
Durante as sessões foram realizadas de modo associado algumas atividades lúdicas com alguns recursos do método de forma integrada:
- Massagem e automassagem no couro cabeludo, face, ombros e nuca, ativando a circulação, relaxamento e consciência da área.
- “Passeio dos olhos” (fitar objetos próximos e distantes, estimulando a acomodação visual);
- Empalmar (cobrir os olhos com as mãos para relaxamento/descanso da área)
- Piscar (para aumentar a umidade dos olhos, oferecer descanso momentâneo da luz e evitar o olhar “fixo”)
- Arco espinhal (exercício de curvar-se para frente do corpo que possibilita o aumento da mobilidade e do espaço articular - principalmente quadril e coluna vertebral, relaxando e alongando a musculatura);
- Balanço longo (seguir o movimento amplo de braços ao fitar os dedos com os olhos, o que possibilita aumentar a mobilidade de movimento ocular e a visão periférica);
- Ensolar (ao sol, mover lentamente a cabeça com os olhos fechados, o que possibilita relaxar e contrair cada pupila alternadamente);
- Alongamento ocular (Mover lentamente cada músculo extrínseco, em todas as direções, propiciando diminuição do desvio ocular).
- Uso de tabela de Snellen com letras (estimula a visão de contrastes e uso da memória e da visualização de letras e espaços);
- Uso do tampão ocular no olho esquerdo (estimular o uso do olho amblíope e possibilitar que o cérebro seja ativado para ver conscientemente com os dois olhos);
- Seguimento Ocular (fitar objetos, como o pom-pom metálico, o que possibilita a amplitude do movimento ocular.
- Estimulação com luzes coloridas em sala escura (estimulação dos cones e bastonetes);
- Uso de óculos 3ª dimensão verde-vermelho (estimula a visão binocular, a fusão permeada pelo filtro de cores);
Com o uso do tampão ocular no olho de melhor visão, e sem o uso de óculos foram realizadas as seguintes atividades lúdicas:
- Atividades que exigiam coordenação motora global e visomotora: seguir as fitas metálicas do pompom com os olhos ao mesmo tempo em que imitava e criava movimentos corporais globais (coreografias com músicas infantis), criar letras, palavras e figuras no ar para o companheiro adivinhar.
- Atividades que exigiam coordenação motora fina, coordenação visomotora, atenção, concentração, entendimento de regras, solução de problemas, iniciativa e criatividade, tais como: confecção de pompom de fitas metálicas, confecção de atividades temáticas (para o dia das mães e para a páscoa), e jogos: Memória, Lince (achar a figura semelhante das fichas no tabuleiro)
- Atividades de coordenação motora global, atenção e equilíbrio, tais como: amarelinha; andar de costas, andar para frente contando os passos, andar com o corpo de lado cruzando as pernas, e durante jogos com bolas de diferentes tamanhos e cores; uso da cama elástica, uso da bola Bobath.
- Brincadeiras com bexigas: bater na bexiga sem deixá-la cair no chão, jogar bexiga um para o outro falando o alfabeto e criando palavras com letras do alfabeto; estimulando o movimento e seguimento ocular;
- Ao ar livre, o uso do playground do ambulatório: balanço, “escalada”, escorregador, túnel.
- Por fim, houve a elaboração de um folheto ilustrativo e explicativo sobre os principais exercícios do método de autocura, para a orientação familiar e para o seguimento do tratamento em casa.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Através deste trabalho, conclui-se que os atendimentosem Terapia Ocupacionalassociados ao método Meir Schneider de Autocura, foram adequados como forma de tratamento para esta paciente.
Notou-se que ao longo do semestre a criança passou a permanecer mais tempo realizando alguns exercícios - como o empalmar, a automassagem facial - que a princípio ela demonstrava dificuldade, ficando inquieta e agitada. O vínculo terapêutico foi estabelecido com facilidade, devido tanto à receptividade da criança, quanto às atividades propostas que desempenharam o papel de facilitadoras. Desse modo, acredita-se que o uso associado de atividades lúdicas ao método foi adequado para facilitar o vínculo e a relação terapeuta-paciente.
Registrou-se que com a vivência de atividades sem óculos e com o uso do tampão nas sessões, com as informações fornecidas à criança e as orientações realizadas com seus familiares, a criança relatou ao longo do semestre ter realizando alguns exercícios (ex: massagem facial) e brincadeiras sem óculos e com o uso do tampão ocular em casa (como andar de bicicleta, assistir TV e jogos diversos), fato esse que efetiva o tratamento da ambliopia.
Percebeu-se a importância do uso das brincadeiras e jogos lúdicos para facilitar a adesão da criança ao tratamento, pois assim, a criança praticava os exercícios propostos com mais sentido e interesse.
Registrou-se também que além de estimular a visão, as sessões permitiram que a criança se expressasse, elaborasse seu pensamento, elaborasse estratégias durante os jogos, estimulasse sua capacidade de iniciativa para propor jogos, brincadeiras e demonstrasse sua criatividade durante as atividades, possibilitando assim, realizar essa terapia global e corporal de forma mais prazerosa ao mesmo tempo em que estimulava a visão.
Notou-se também que o atendimento possibilitou a participação e conscientização não só da criança, como também de seus familiares tanto nas sessões quanto no incentivo da realização dos exercícios em casa. Osfamiliaresrelataram melhora em relação ao estrabismo convergente que a criança apresentava ao focalizar os detalhes.
A avaliação oftalmologia, após a intervenção, aferiu visão normal no olho esquerdo, redução de 2 graus de miopia no olho direito e eliminação do estrabismo, com melhora conseqüente do quadro amblíope. Tais resultados são considerados muito positivos, evidenciando a eficácia da metodologia utilizada.
Acredita-se que essa experiência contribuiu de forma positiva para a prática profissional da terapia ocupacional, proporcionando a intervenção em um caso de ambliopia, utilizando como recursos terapêuticos: as atividades lúdicas e o método Schneider de autocura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. CHAVES, N. A saúde dos seus olhos: luz, escuridão e movimento. Rio de Janeiro: Imago, 2002.
2. GONÇALVES, P. Oftalmologia. 4 ed. Rio de Janeiro: Atheneu,1975.
3. KANSKI, J.J. Oftalmologia Clínica: Uma Abordagem Sistemática. 4 ed. Rio de Janeiro: Rio Med, 2004.
4. ORÉFICE NL. Tratamento da ambliopia em crianças com idade acima dos 7 anos. Rev Bras Oftalmol 1992;51:387-90.
5. PINTO,J.M.; SOARES,L.B.Método Meir Schneider de Autocura (self healing).São Carlos: EdUFSCar/editora Hucitec,2003.
6. PROCIANOY, Edson, Procianoy, Letícia and Procianoy, Fernando. Resultados do tratamento da ambliopia com levodopa combinada à oclusão. Arq. Bras. Oftalmol., Out 2004, vol.67, no.5, p.717-720.
7. SCHNEIDER, M. O manual de autocura: método self-healing. São Paulo: Triom, 3 ed,2003.
8. SCHNEIDER, M. Manual de autocura, 2ª parte: patologias específicas: método self healing. São Paulo, 2 ed. , 2001.
9. TAKATORI, M.; BOMTEMPO, E.; BENETTON, M.J. O brincar e a criança com deficiência física: a construção inicial de uma história em terapia ocupacional. In: Cadernos de Terapia Ocupacional. UFSCar, V9 n. 2, 2001.p.91-105.
FONTE: http://www.absh.org.br/artigos/index/17/AMBLIOPIA_EM_TERAPIA_OCUPACIONAL