Saúde. Equipe multidisciplinar da Santa Casa de São Paulo ensina pessoas com deficiência visual a aproveitarem ao máximo suas capacidades; com estratégias para driblar o problema, elas frequentam a escola, estudam, brincam e desenvolvem autonomia
O celular de Paulo Cesar de Souza toca sem parar. Ele tem uma rotina agitada para um jovem de 27 anos. É pai solteiro, presidente de ONG, editor de um jornal online e estudante de Direito. Quando o telefone chama, o rapaz quase cola o aparelho no rosto para enxergar o número de quem está ligando. Vítima de toxoplasmose congênita, é cego de um olho e tem apenas 30% de visão no outro.
"Conheço pessoas que enxergam o mesmo tanto que eu, mas nem saem de casa sozinhas. Dependem dos pais para tudo." Paulo tem um escritório. Presta serviço para empresas como consultor de risco e fraudes. Já trabalhou nos Correios, Tribunal de Justiça e Ministério Público. Foi dono de loja na Galeria do Rock.
Paulo teve sorte. Seu pai não se conformou quando os médicos disseram que ele, então com 2 meses, não seria uma "criança normal". Quando fez 1 ano, foi encaminhado para o Setor de Visão Subnormal da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde há um programa para ensinar crianças a tirar o máximo proveito da pouca visão que possuem.
A equipe atende mais de 300 crianças por ano. Muitas chegam ainda bebês, como Raissa Barbosa, atropelada quando tinha 1 mês e passeava com a mãe na calçada. Seus olhos são perfeitos, mas, por causa do trauma, seu cérebro perdeu a capacidade de interpretar as imagens.
Desde os 6 meses, Raissa faz sessões semanais de fisioterapia para estimular a visão e as funções motoras. Hoje, com 1 ano e 4 meses, senta com apoio e controla melhor a cabeça. Sua capacidade visual também melhorou.
"Bebês como Raissa precisam de ajuda para aprender a brincar e a interagir", explica a fisioterapeuta e psicopedagoga Ana Lucia Pascali. "Orientamos a mãe a se aproximar sempre que falar com a criança, para que ela possa perceber seu rosto. Isso melhora a capacidade de fixar a visão."
A intervenção precoce também ajuda a prevenir dificuldade de sociabilização, atraso na fala e no desenvolvimento motor e intelectual, diz a fisioterapeuta Luciana Cardoso.
Há vários graus de visão subnormal (mais informações nesta pág.). O tipo de Raissa é o mais grave, mas como a habilidade de enxergar é desenvolvida nos cinco primeiros anos de vida, ela tem chance de melhorar.
Treino. À medida que a criança cresce e se aproxima da idade escolar, é treinada a usar recursos como a telelupa, espécie de telescópio cuja capacidade de aumento é adaptada à necessidade de cada paciente. "Para acompanhar as aulas, ela tem de aprender a localizar o ponto onde deve fixar a visão, acertar o foco com agilidade e mudar de lugar para fazer a leitura", explica a oftalmologista Giceli Rodrigues, chefe do Setor de Visão Subnomal.
Quando a criança está apta, recebe a prescrição para comprar o aparelho, que custa R$ 400. Para as famílias que não conseguem arcar com os custos, como a de Roque Júnior Teixeira, de 7 anos, a equipe busca doações.
Roque está na 1.ª série do ensino fundamental e domina a telelupa há dois anos. Portador de aniridia, doença genética caracterizada pela falta da íris, aos 5 meses ele usava óculos com 12 graus para correção de hipermetropia. Hoje, as lentes têm 1 grau e sua vida é como a de qualquer garoto: anda de bicicleta, joga bolinha de gude e assiste à televisão com rosto colado na tela.
Na escola, ele senta perto da lousa e usa materiais adaptados, como cadernos com linhas mais grossas e largas, lápis com ponta maior e uma prancha para apoiar o livro e aproximá-lo da vista.
"Tem gente que acha que essa proximidade do caderno ou da tela do computador pode prejudicar ainda mais a vista, mas é um engano", explica Giceli. A equipe explica como os professores podem ajudar. "A deficiência não pode ser fator de exclusão. A pessoa deve ir à escola, à faculdade, trabalhar, ter vida social e ser independente", diz a médica.
Paulo está conquistando esses objetivos. Hoje vai à Santa Casa duas vezes por ano para consultas de rotina. "São os mesmos médicos que me atendiam quando eu era criança. Na época, eram estagiários e hoje cada um é chefe do seu setor. Batem o olho e sabem quem sou eu."FONTE: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101226/not_imp658260,0.php
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